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WEB RÁDIO

20 de abril de 2012

ISSO NUNCA FOI FORRÓ!


Que virou praga, virou. Mas que é forró, não é, nunca foi, nem aqui nem em canto nenhum. O que muitos chamam de forró atual, forró estilizado, forró isso e forró aquilo não passa de barulheira sem qualidade nenhuma, com letras reles e total ausência melódica, feitas exclusivamente para arrecadar dinheiro de incautos ignorantes musicais. A respeito desse tema, reproduzimos a seguir uma crítica do escritor, poeta e dramaturgo Ariano Suassuna, uma das maiores sumidades no que se refere à cultura e costumes nordestinos:


" 'Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!'. A maioria, as moças, levanta a mão. Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista d
a banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas as bandas do gênero). As outras são 'gaia', 'cabaré', e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se

 repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade. Pra uma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviõesdo forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró). Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas. Porém a culpa desta 'desculhambação' não é exatamente as bandas, ou os empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo

folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de 'forró', onde, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas começam muito tarde e as saias e shortes terminam muito cedo. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado, Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético. Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo. Aqui o que se autodenomina 'forró estilizado' continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um f
enômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem 'rapariga na platéia', alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é: 'É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!', alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos."

À respeito do que escreveu Suassuna, o jornalista Gonzaga Leite, outro crítico dessa vertente musical (?) - melhor seria, aleijão musical - disse: "O secretário de cultura Ariano Suassuna foi bastante criticado, numa aula-espetáculo, no ano passado, por ter malhado uma música da Banda Calypso, que ele achava (deve continuar achando, claro) de mau gosto. Vai daí que mostraram a ele algumas letras das bandas de 'forró', e Ariano exclamou: 'Eita que é pior do que eu pensava'. Do que ele, e muito mais gente jamais imaginou". E continua Gonzaga Leite: "Realmente, alguma coisa está muito errada com esse nosso país, quando se levanta a mão pra se vangloriar que é rapariga, cachaceiro (...). Aonde vamos parar?

Ora, se inventaram uma tal de pré-classificação relativa a faixa etária para os programas que vão ao ar pelos canais de televisão, não seria o caso de se pensar também numa para o controle da difusão dessas aberrações musicais pelas emissoras de rádio? Sem falso pudor, o que está havendo travestido de forró é um verdadeiro festival de pornofonia que chega a ofender a moral, os costumes e a educação das pessoas com um mínimo de civilidade. Sou compositor, inclusive de forró, o autêntico, e radialista mas não me esquivo em afirmar com todas as letras que o que está havendo é uma a-p-e-l-a-ç-ã-o por parte de compositores, cantores, divulgadores e parte da mídia que não tem nenhum compromisso ou responsabilidade para com a cultura e educação do nosso povo.

E só para ficar no que se refere à forma como essas bandas de forró (?) se dirigem às mulheres - as mesmas que compram seus cd's e pagam para ver seus shows - como é triste vê-las humilhadas, achincalhadas, vilipendiadas e outros "adas" mais e não se indignarem. E pasmem! Numa perversa inversão de valores, a maioria delas se consideram até exaltadas e elogiadas pelas baixarias de seus ídolos. É prá isso que brigam tanto pela igualdade com os homens? Pobres mulheres. Pobres nós.

Ivo Dias

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